[ Uma conversa entre a colaboradora convidada Thais Olmos, a artista mexicana Rose Mary Salum e nós da Puñado. A entrevista foi realizada em 2018 e integra a Puñado 5. O texto de Rose Mary traduzido e publicado se chama “A água que embala o silêncio”].

PUÑADO: Para começar, uma série de perguntas em uma: poderia nos contar um pouco sobre a revista Literal? A trajetória de vocês, o dia a dia desse trabalho de edição… como lidam com a proposta de oferecer, simultaneamente, espaço para as vozes mais destacadas e para as novas vozes… qual o perfil do público da revista… enfim, temos muita curiosidade sobre essa iniciativa “irmã” [risos].
Há 15 anos, quando a revista começou a circular de forma semestral, não imaginei diversos dos caminhos que a publicação percorreria. A intenção, naquele momento, foi criar uma ponte cultural entre o mundo anglo-saxão e o mundo hispânico. Ao longo dos anos, no entanto, a Literal acabou se tornando um pequeno centro cultural, situado no sul dos Estados Unidos.

De uma publicação semestral com assuntos de arte e cultura, passamos para uma publicação digital com atualizações diárias; uma editora com algumas coleções e quase cinquenta títulos publicados; um lugar onde se oferecem cursos de escrita criativa; e um festival internacional de curtas-metragens. O que permaneceu foi a intenção de publicar tanto as vozes mais importantes como as emergentes, sempre cuidando da qualidade das propostas.

Nossos leitores são pessoas interessadas em literatura, arte, cinema e temas atuais. Ao longo do tempo, criamos um espaço de convivência, discussão e, sobretudo, um espaço de bilinguismo saudável.

THAIS: Fiquei surpresa quando, lá pela metade do seu conto, notei que o narrador era masculino. A que se deveu essa opção?
Esse conto é o primeiro de uma série de contos interconectados, que surgiu a partir de uma imagem muito potente: um menino flutuando dentro de um aquário. Eu mesma não sei bem de onde apareceu essa imagem, apenas me lembro da angústia que senti quando começou a guerra entre o Líbano e Israel no verão de 2006; minha filha tinha acabado de voltar para casa, dois dias antes. O menino impôs a sua voz, e disso saiu não apenas esse conto, mas o livro inteiro.

THAIS: O seu conto, e também o fato de ele ser publicado em uma revista de autoras mulheres, me fez pensar na frase de Joan Scott: “O pessoal também é político”. Você opta por narrar o bombardeio, o desastre da guerra, do ponto de vista doméstico. Poderia comentar essa escolha? Qual a diferença entre a política da rua e a política doméstica?
Eu acredito que a política das ruas não é outra coisa senão a expressão da política pessoal. Não existe uma fronteira entre ambas. Em outro momento da minha vida, talvez eu respondesse de outra forma, mas com o passar dos anos a gente entende que as mudanças não são feitas pelos outros. Todos temos uma responsabilidade, todos somos o povo, todos somos cidadãos, todos em conjunto fazemos um país. No meu livro, mostro essa separação que, a partir do pessoal, acaba se reproduzindo no comunitário. As divisões já existem no âmbito doméstico; o que se vê na guerra nada mais é que o produto do que se pensou no silêncio da intimidade.

THAIS: “Agora o céu está na rua. O chão está no teto do horizonte”. Essa imagem de desconfiguração e reconfiguração me remeteu ao quadro Guernica, de Picasso. Qual o papel da arte na elaboração dos horrores da guerra? Ainda há o que ser dito?
Adorei que você citou justo essa frase. É a primeira vez que alguém o faz, e essa frase tem um peso importante na história. Sem dúvida, existe nela uma intenção desconfiguradora (se é que essa palavra existe), e a reconfiguração se torna caótica dentro da história. Nesse sentido, a arte tem um papel importante, porque é ela que nos permite intuir coisas que os fatos não nos permitem nomear. É a força do horror que nos empurra em busca de palavras para nomear o que estamos presenciando.

Com certeza serão essas as palavras que poderão transmitir os sentimentos experimentados em primeira pessoa diante da guerra. Dito isso, sim, ainda há muito para se expressar. Enquanto existir uma pessoa capaz de dar nome ao que experimenta, a partir de seu próprio ponto de vista, as possibilidades de expressão serão ilimitadas.


THAIS OLMOS é formada em Mídias Digitais pela PUC-SP e atua desde 2006 como mediadora em exposições de arte contemporânea. Em 2012, realizou um estágio na Tate Modern. De 2015 a 2017 foi coordenadora no Departamento de Programas Públicos do MASP. Em 2018 concluiu o mestrado em História del Arte y Cultura Visual na Universidad Autónoma de Madrid/ Museo Reina Sofia. Atualmente, trabalha como tradutora. // As biografias de Rose Mary Salum e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução do texto “A água que embala o silêncio” por Raquel Dommarco Pedrão. Tradução da entrevista por Laura Del Rey.


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