LINA: No Brasil, há pouco contato com a cultura caribenha. Pode nos contar como foi crescer na República Dominicana, e como essa experiência pessoal se reflete em suas histórias e personagens?
É irônico que seja assim, porque somos culturas muito parecidas, marcadas pela escravidão e pelo legado cultural que chegou com os negros da África ocidental. Há muitas maneiras de se crescer na República Dominicana. A minha é a experiência de uma garota lésbica de pele clara e de classe média. Uma experiência marcada pela miopia. Nos educam para pensarmos que somos melhores que as pessoas de pele escura e, frente à miséria extrema que se pode ver num passar de olhos pela capital, nós de classe média somos educados como se pertencêssemos a uma espécie de aristocracia.
É uma miragem que se quebra assim que saímos da ilha. Quando vamos aos Estados Unidos e à Europa, entendemos que fora do país também somos “pessoas de cor”, uma minoria com fantasias ridículas. A República Dominicana é um país extremamente conservador; não me atrevi a sair do armário até a chegada dos meus 20 anos. Eu não tinha medo de ser rejeitada, tinha medo de ser agredida.
LINA: O que fez sua banda Rita Indiana y Los Misterios criar um som tão particular e diverso? E como esse som se relaciona com a sua escrita?
Eu já vinha fazendo música nos meus romances, brincando de cantar. Mas a minha transição real chegou graças ao advento das tecnologias digitais, aos programas como Reason e Fruity Loops. Com poucos conhecimentos musicais, mas uma noção de ritmo apurada e um ouvido bom, pode-se fazer mágica. Comecei a transpor batidas afrocaribenhas de tradições místico-religiosas para o eletrônico, e a misturá-las com outros ritmos mais populares, como o merengue, o reggae etc. Uma grande influência foi o tropicalismo brasileiro; todos esses experimentos feitos nos anos 60 e 70 me apontaram um caminho para a minha própria criação.
LINA: Você poderia montar a trilha sonora da sua vida com 10 músicas? Quais seriam?
“Plegaria a Laroye”, de Celia Cruz & Sonora Matancera;
“Rebeca”, de Johnny Ventura;
“The Passenger”, de Iggy Pop;
“Oriente”, de Henry Fiol;
“Maria Bethânia”, de Caetano Veloso;
“As”, de Stevie Wonder;
“Dat Dere”, de Art Blakey and the Jazz Messengers;
“Querida”, de Juan Gabriel;
“Devil’s Haircut”, de Beck;
e “Abusadora”, de Wilfrido Vargas.
LINA: Qual é a sua opinião em relação aos resultados eleitorais no Brasil, e que considerações teria a respeito do papel da mulher nesse cenário político e social?
A vitória de Bolsonaro é uma tendência global, tanto da esquerda como da direita; uma tendência a um autoritarismo descarado, teocrático, manipulador. É um bom momento para todos os movimentos que lutam por justiça social: as cartas estão na mesa; é hora de atuar, educar, mobilizar e votar.
LINA: Para terminar, poderia nos contar o que significa a palavra “undarrundeiro”, de sua música “El Blue Del Ping Pong”?
“Undarrundeiro” é uma combinação de letras sem sentido, um scat singing – como se faz no blues e no jazz. Uma forma de improvisar melodia, com a voz sendo um instrumento a mais.
LINA IBAÑEZ é colombiana, publicitária. Mora no Brasil desde 2010 e trabalha com produção editorial fotográfica na sua editora, laboratório e otras cositas: Fotolab Linaibah (um espaço de arte impressa e produções independentes onde, além de conversas e criações fotográficas, acontece o karaokê mais latino de SP). // As biografias de Rita Indiana e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução do texto “Nomes e animais” por Raquel Dommarco Pedrão. Tradução da entrevista por Laura Del Rey.