Meus livros chegaram a muito mais leitores do que jamais imaginei, porque nunca imaginei nada. Para mim, a escrita é um exercício íntimo. Mas os livros saíram das minhas mãos, e percorreram um caminho. Não sei dizer se eles chegam a contar algo sobre mim para os leitores. Na verdade, eu não queria que meus livros servissem para que um leitor me olhasse, mas sim que ele os usasse como lentes, para observar a si próprio e aos outros. Nunca procurei ser compreendida por um leitor, e eu também não procuro compreender ninguém. Procuro questionar. Espero ter cruzado com algum leitor desprevenido, o feito olhar as coisas como se nunca as tivesse visto e voltar a pensá-las.
Escrevo quando tenho algo na cabeça que preciso tirar de mim. Uma cena, uma voz, uma história, uma pergunta. Não me angustia não escrever concretamente durante um tempo, porque sempre estou fazendo algo, acumulando materiais, ideias… e palavras, inclusive, para uma escrita que pode ou não acontecer no futuro.
Desconfio das teorias que distinguem o conto do romance. Para mim, tudo é escrita, que vai encontrando maneiras distintas de se expressar. Penso os gêneros menos por suas diferenças e mais por suas semelhanças. Dessa maneira, tenho trabalhado em espaços fronteiriços entre os gêneros.
Sobre seu conto, “Sangue de Nariz”, a autora ainda comentou:
A forma de escrita desse conto é uma forma que, em maior ou menor medida, utilizei também em outros textos: a partir de algo ou de alguém real, vai se armando a cena, a trama, os personagens. E digo isso em passivo mesmo, “vai se armando”, porque nunca está decidido de antemão; é a linguagem, em um processo de associação livre, que vai me levando de um ponto a outro. Escrevi esse conto a partir da história real de Maria Carolina Geel, escritora chilena. Nos anos 1950, ela se encontrou com o namorado de então em um salão de chá famoso, no centro de Santiago. Enquanto conversavam, atirou cinco vezes e o matou. A grande pergunta era por que, e não havia resposta, só especulações. (…) Eu li reportagens que apareceram na imprensa, na época, e a crônica carcerária de Geel. A partir daí, deixei que a personagem fosse se armando. Se eu me distancio da realidade o suficiente, considero o texto uma ficção. O que funciona para pactuar com o leitor que me desviei o bastante do referente, em busca de outra coisa. Como dizia Grace Paley, “escreve-se a partir do que se conhece em direção ao que não”.
As biografias de Lina Meruane e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Entrevista e tradução por Laura Del Rey. // Tradução do conto “Sangue de nariz” por Raquel Dommarco Pedrão.