[ Uma conversa entre a colaboradora convidada Hailey Kaas e a escritora venezuelana Raquel Abend van Dalen. Esta entrevista foi realizada para a Puñado 7, em 2021 ].

HAILEY: Enquanto uma mulher venezuelana, como é sua experiência de morar e trabalhar nos Estados Unidos? Você sente que sofreu preconceito no meio literário estadunidense?

Desde que cheguei aos Estados Unidos, trabalhei unicamente em veículos de comunicação em espanhol e em departamentos universitários hispânicos, o que significa que tive a imensa sorte de a minha primeira língua poder ser minha principal ferramenta de trabalho neste país. Da mesma forma, só publiquei por editoras estadunidenses dedicadas exclusivamente a escritores hispânicos e dirigidas por latinos, como a Sudaquia Editores e a Suburbano Ediciones. Até o momento tive pouco contato com o meio literário estadunidense anglófono, por um motivo simples: escrevo em espanhol e não fui traduzida. Acredito que são poucas as editoras norte-americanas que se arriscam a publicar escritores hispânicos jovens no país.

HAILEY: O conto “Palhaça”, conforme minha interpretação, mostra uma personagem bastante insegura. Como é escrever personagens que revelam exatamente o que somos, ao passo que a maioria das pessoas parece preferir idealizações?

A literatura nos concede esse espaço para a exploração dos recônditos mais escondidos da condição humana, o secreto, o oculto, o vergonhoso. Se na cotidianidade tentamos sublimar nossas inseguranças para sobreviver, na literatura podemos voltar a elas e olhá-las através de um microscópio, utilizá-las na construção dos personagens para lhes conferir vida e independência.

Muitas pessoas sentem necessidade de ler porque a literatura nos confronta em toda sua honestidade com o mais brutal de nós mesmos, e nesse processo nos sentimos menos sozinhos.

HAILEY: Qual sua perspectiva para uma maior popularização da literatura em espanhol nesse cenário dominado pela língua inglesa? Acha que tem havido uma melhora nesse quesito nos últimos anos?

É algo que vem acontecendo pouco a pouco. Cada vez mais há mestrados na área de escrita criativa em espanhol nos Estados Unidos, mais revistas e editoras hispânicas, mais vagas de trabalho para acadêmicos. Inclusive, já existe um PhD em escrita criativa em espanhol em Houston.

Definitivamente houve bastante mudança nos últimos anos, porque existem todos esses espaços que mencionei, onde se escreve e se celebra a literatura hispânica dentro dos Estados Unidos. No entanto, ainda não creio que haja uma repercussão importante no mundo anglófono. Sinto mais como se fossem dois mundos à parte, que convivem lado a lado sem se olhar.


HAILEY KAAS é transfeminista, tradutora e escritora. Foi uma das responsáveis pela introdução do transfeminismo no Brasil através de diversos textos e um dos primeiros blogues dedicados ao assunto. Atualmente participa de iniciativas com o objetivo de divulgar o tema no Brasil. Sua pesquisa circula entre as áreas de Linguística, Estudos de Gênero, Transfeminismo e Teoria Queer // As biografias de Raquel Abend van Dalen e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução da entrevista por Laura Del Rey.


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