O cenário é uma Caracas em colapso, população em fuga. Mais precisamente, uma casa aos pés do monte Ávila, onde Ulises Kan recebe a missão de montar um abrigo para cães abandonados junto aos funcionários leais do ex-proprietário e a um casal de veterinários desconhecidos. Ao redor da mansão orbitam presenças ambíguas, como a ex-esposa de Ulises, Paulina, e seu pai militar com pinta de Alain Delon; Paco, o centenário guardião do Hotel Humboldt; advogados nos quais se pode confiar; a escritora Elizabeth von Arnim; e o fantasma de Nevado, o cachorro de Simón Bolívar. Repleta de artimanhas, heranças, lendas e esconderijos, a trama vibrante de Calderón assume, por vezes, tons picarescos. Em outros momentos, um lirismo insuspeito encontra a brecha para escapar da tensão que solapa o país: Ulises, duas vezes órfão, “ele, um verme, um parasita”, parece encontrar sentido na família postiça que constrói em torno do abrigo. Para os humanos desamparados de Simpatia, os cães deixados na rua se tornam alento e força motriz.
R$ 68,00
A coleção CAPITAIS & CAFUNDÓS trabalha com expedições literárias. As rotas são constantemente recalculadas, não há centro. O mapa que temos a bordo nos foi dado por aves migratórias, para quem as fronteiras não existem.
Metrópoles, vilarejos esquecidos, florestas, desertos, sertões, campos ermos, mundos imaginários sólidos ou esfacelados: os destinos são obras cujo território extrapola o pano de fundo, participando como organismo vivo, tão complexo quanto seus personagens.
A tradição flâneur ressurge aqui com outros temperos; da América Latina e do Caribe, certamente, mas não só. Vasculharemos sem receio, talvez com alguma imprudência, curvas improváveis, dobras geológicas, nascentes ainda no subterrâneo – quem sabe uma história insuspeita não esteja ali?
Para quem gosta de horizontes largos, temos assento à janela. Aos que usufruem dos detalhes, reservamos lugares no corredor, onde a história se monta por fragmentos e conversas à meia-voz. De todo modo, não prometemos conforto.
No fim das contas, as fronteiras existem – tudo existe depois de ser criado –, mas suas linhas não inibem o movimento do desejo e da necessidade. Somos migrantes. Reescrevemos. Não nos acomodamos, pois, o mais importante: não sabemos quem somos. E no lugar de um espelho, nos interessa a vista, os voos erráticos que tentam escapar da força dos ventos dominantes.
Título: Simpatia
Autor: Rodrigo Blanco Calderón
Tradutora: Raquel Dommarco Pedrão
Ano: 2024
Gênero: Romance
Nº de páginas: 240
Encadernação: Brochura
Formato: 19,5 x 14,5 x 1,4 cm
Peso: 305g
Tiragem: 800 exemplares
ISBN: 978-65-88104-29-3
Coordenação editorial: Laura Del Rey
Capa e projeto gráfico: Angela Mendes e Laura Del Rey
Mapa topográfico: Nasa | fevereiro de 1969, a partir de fotografias de uma cratera lunar
Tratamento de imagens e diagramação: Angela Mendes
Assist. de design, ilustrações e design para redes sociais: Fernando Zanardo
Preparação de texto: Aline Caixeta e Laura Del Rey
Revisão: Ana Maria Barbosa
Assistência editorial: Fernanda Heitzman
Catalogação: Ruth Simão Paulino
RODRIGO BLANCO CALDERÓN (Caracas, 1981) é um narrador venezuelano. Em 2007, Calderón foi selecionado pelo Hay Festival para compor a primeira edição do projeto Bogotá 39. Ao longo dos anos, recebeu diversos reconhecimentos por seus contos – recentemente, foi contemplado com o Prêmio O. Henry (2023), concedido pela tradução para o inglês de “Os loucos de Paris”. Seu primeiro romance, The night (Alfaguara, 2016), venceu o Prêmio Paris Rive Gauche (2016), o Prêmio da Crítica na Venezuela (2018) e a III Bienal de Novelas Mario Vargas Llosa (2019). Simpatía (Alfaguara, 2021) é seu segundo romance e foi incluído na longlist do Booker Prize International 2024. A obra está sendo traduzida para diversos idiomas. Atualmente, Rodrigo vive em Málaga, na Espanha.
Incluído na longlist do Booker Prize International 2024.
“Uma maravilha de romance. Questiona o significado de lar quando todas as estrelas-guia possíveis já se apagaram.” –– Michael Schaub
“Faz brilhar, com um novo brilho, a literatura latino-americana contemporânea.” –– Cédric Jugé
“Uma fábula imprevisível, que contrapõe a desesperança de um país com a necessidade universal de significado e conexão.” –– Kirkus
“Incrivelmente luminoso, mesmo quando evidencia paradoxos – ou, talvez, precisamente por fazê-lo. Ulises: guardem este nome. Li o romance em uma sentada. A prosa é maravilhosa e repleta de imagens lindas.” –– Karina Sainz Borgo
“Calderón continua a investigação iniciada em The Night sobre o que a literatura pode ou não dizer acerca do declínio da Venezuela, desta vez através de cães abandonados e do amor que eles despertam em diferentes personagens órfãos.” –– Jorge Carrión
“Estudo sociológico, investigação policial, drama familiar, história de amor frustrada… tantos elementos independentes que acabam por costurar uma grande tapeçaria que os transcende. Cães errantes e destinos interrompidos tornam-se o espelho de uma sociedade em busca de identidade. Não por acaso o romance figura na lista do Booker Prize, já que o autor se destaca ao realizar um escrutínio incisivo e afiado dos costumes.” –– Mathieu Soulas
“Não tem nenhum segredo aqui. A arca é a casa. O lugar estratégico para colocá-la é no pico daquela montanha na qual você prestou atenção desde o primeiro dia. Como fazer para subir uma casa tão grande como Los Argonautas para o topo de uma montanha? Esse é o tipo de pergunta que eu também me faço, quando me dá na telha. Então grito Mesopotâmia, Tigre, Eufrates, e se decepcionam comigo. Mas eu me decepcionei o dobro. Acredite em mim. Só o órfão pode entender a palavra do louco.”
“São como Cristo, Ulises pensou, enquanto se encaminhava na direção de Nadine. Tiram a dor das pessoas, mas sem a necessidade de crucificações ou sofrimento. Para eles, basta abanar o rabo e se agitar como loucos para concentrar as ondas eletromagnéticas da alegria. Os cachorros são como Cristo, mas loucos, Ulises pensou. São uns Cristos loucos de alegria.”
“Naquele momento, sua pele se arrepiou, e Ulises compreendeu que a noite era uma catedral infinita. O Hotel Humboldt era, no máximo, um fragmento solto de um genuflexório longínquo, que nunca chegaria a ver. O resíduo de uma vareta de incenso, caído de uma dimensão superior para a qual esta, onde ele e todos os demais viviam, não era mais do que um cinzeiro. E no meio daquela amplitude, no exato instante em que se descobriu apenas um escombro no extraordinário ciclo da criação, sentiu sobre si o olhar de uma pupila cuja bondade divina, de repente, o observava. Ele. Esse verme. Esse parasita esquecido no esterco.”
“A situação foi se agravando à medida que a crise e a fome se intensificavam. Todos os que tinham condições iam embora do país. Os mais sortudos iam de avião, muitos deles sem olhar para trás. Quando já tinham comprado as passagens, e o gestor providenciado os documentos oficiais, quando já tinham vendido a casa da família por um quarto do valor, quando já tinham deixado o trabalho e feito um último checkup com os médicos, quando já tinham tirado os filhos do colégio, na metade do ano escolar mesmo, porque não havia tempo a perder, quando tudo já estava pronto, pegavam o carro pela última vez e dirigiam até um parque distante. Ali freavam, abriam a porta traseira e, lá de dentro, deixavam sair os cachorros; e quando os cachorros desciam, loucos de alegria, batiam a porta com força, aceleravam e fugiam.”
“Naquela mesma madrugada, ou na seguinte, a mão de Nadine entraria em sua roupa íntima, despertando-o, para cavalgar sobre ele ou fazer com que a penetrasse. Tudo com um desespero furtivo que não tinha muito a ver com a fome, a paixão ou o amor. Mas como ter certeza? Não podia ser amor, essa vulnerabilidade absoluta? Por acaso alguém, alguma vez, tinha dado a ele tanto prazer? E ela? Não parecia ficar tão plena, que às vezes até chorava de alegria? Aquilo era alegria? Lembrou-se das próprias lágrimas no sonho com Claudia Cardinale. De onde elas vinham, afinal? Talvez o problema fosse ele. Talvez o problema, no fim das contas, continuasse sendo ele. Como seria capaz de amar alguém, ou ser amado, se não sabia definir o embrião do próprio pranto?”
“Primeiro, Paco viajou clandestinamente em um barco até Nova York, e dali subiu em outro barco com destino a La Guaira, um porto para o qual muitos de seus compatriotas rumavam fugindo da pobreza. Escondeu-se nas entranhas de algumas gruas, que ocupavam a maior parte do porão do navio. Durante a travessia, ouviu que as máquinas serviriam para uma grande construção em Caracas, a capital do país. Quando chegaram a La Guaira, Paco continuou escondido. Escapou por um espaço que encontrou entre a cabine de comando e os contrapesos de uma das gruas e não pisou no solo até chegar à região de Maripérez, aos pés do Ávila. Ali, desceu e imediatamente procurou o chefe da obra, que no fim das contas era galego, como ele, mas de Pontevedra, e se ofereceu para o trabalho que fosse. O capataz deu a Paco um tratorzinho, e assim ele começou a trabalhar como condutor de empilhadeira.
– Aquela grua foi meu barco e Maripérez foi meu porto. Desde então, não saí mais daqui – contou Paco.
O quarto do senhor Paco, naquele corredor azul junto à sala de máquinas, era composto por dois cômodos convertidos em um só. As paredes também eram pintadas de azul, mas de um tom mais claro. A do fundo tinha três escotilhas, através das quais, nas manhãs, se viam a mancha verde da montanha e a mancha branco-azulada de Caracas, que se confundia com o céu, o que contribuía para dar ao quarto um ar de cabine de navio. Era como se naquele quarto do subsolo do Hotel Humboldt, Paco tivesse encontrado uma maneira de continuar sendo um passageiro clandestino pelo resto da vida.
Em seu hábitat natural, como um peixinho transferido de um saco com água para um aquário, Paco havia ganhado juventude e mobilidade. Não apenas caminhava mais rápido e menos encurvado, mas suas palavras também fluíam com uma lucidez impensável para quem, havia algumas horas, parecia perdido no enterro do próprio irmão.”
R$ 68,00 O preço original era: R$ 68,00.R$ 61,20O preço atual é: R$ 61,20.
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