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Luminol

Posfácio por Lucas Verzola

Luminol poderia ser pensado como um luto labiríntico, uma perspectiva inusitada do século 20 em diário, um romance detetivesco e polifônico cujas substâncias são o amor e a morte. Ou como aponta Lucas Verzola no posfácio, uma obra “que tenta lidar com abominações de todas as espécies”. Poderíamos conceber as três narradoras das três partes do livro como uma criatura tricéfala saída de um bestiário, que busca lidar – numa mistura volátil de sedução e repulsa, mas nunca indiferença – com retratos íntimos, ancestralidades e paisagens sociais do Brasil. Embora expressivo, nada disso encerraria a trama ou desvendaria sua arquitetura profunda, uma estrutura constituída por heranças, duplicações e espelhamentos, onde números e datas se organizam sob uma lógica própria.

Maya, Clara e Quindim nos guiam por casas, ruínas, matas e rios. Com elas, acompanhamos os malabarismos de uma autora tentando reconquistar a confiança de sua editora; um personagem literário e uma figura histórica invadindo o cotidiano; promessas difíceis de sustentar; um elogio às cartas e à lentidão das conversas; os lugares de mãe, filha e amiga se fundirem, cada uma dando cria às outras.

Atormentadas por vozes, traumas políticos, culpas e imagens inscritas na memória, as personagens narram por meio da colagem de cartas, sonhos e diários para investigar o “desaparecido” de suas vidas e manipular o destino de suas perdas. No que é possível confiar?

O caráter enciclopédico e dilatado da prosa de Carla Piazzi é tramado sob os signos da penumbra, do hibridismo e da fragmentação. Nesse percurso circular aparecem lendas, história e filosofia. Somos leitores-intrusos numa intimidade ora dolorida, ora bem-humorada, onde convivem vigília e fantasmagoria, violência e ternura, exílio e pertencimento, apego e abandono, o luto e a criação.

O preço original era: R$ 96,00.O preço atual é: R$ 86,40.

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+ Info/detalhes

O título evidencia um romance detetivesco? Difícil não tomar emprestado da gíria mexicana presente em Detetives selvagens, a palavra “simonel”: sim e não ao mesmo tempo, a ambiguidade radical, a impossibilidade de encerrar uma interpretação.

Eu era uma menina quando a minha mãe morreu. Eu não vi o corpo, ninguém deixou, minha avó e bisavó quiseram me poupar do horror. Mas a gente precisa ver a morte. O que eu vi da morte foi um caminhão, uma casa inteira dentro de um caminhão de mudança que veio até mim uma, duas vezes. Na primeira vez, eu era criança e não podia encostar em nada, mas era tudo meu. Tudo entulhado, bagunçado, escondido, mas era meu. Uma posse jogada no futuro. A segunda vez  foi quando, já adulta, me mudei pro mato e, de novo, o caminhão chegou. Foi aí que esse futuro, o futuro do meu passado, me disse: “Eu não sou uma abstração, eu sou algo bem concreto. Agora é tudo seu…”. E o que fazer com isso?

Quando por vezes nos sentimos inclinados a seguir os rastros deixados pelas três narradoras – Maya, Clara e Quindim –, Luminol nos instiga a pegar uma lupa, a sermos cúmplices nesta narrativa assombrada por uma frase: “Se você não se lembra da sua mãe, é porque você a matou”.

Sobre a coleção

Sobre a revista

Ficha técnica

Título: Luminol
Autora: Carla Piazzi
Posfácio: Lucas Verzola
Ano: 2022
Gênero: Romance/ literatura brasileira
Nº de páginas: 528
Encadernação e acabamentos: Capa dura arredondada
Formato: 23,5 x 15,5 x 3,5 cm
Peso: 870g
Tiragem: 2000 exemplares
ISBN: 978-65-88104-19-4


Coordenação editorial: Laura Del Rey
Edição: Laura Del Rey e Victor Pedrosa Paixão
Tradução [trechos Saint-Denys]: Carla Piazzi e Raquel Dommarco Pedrão
Preparação de texto: Mariana Bastos
Revisão: Aline Caixeta Rodrigues
Ass. editorial: Fernanda Heitzman
Capa, projeto gráfico e diagramação: Angela Mendes e Laura Del Rey
Ilustrações: Fernanda Heitzman, Laura Del Rey e Romano Corá
Pesquisa de imagens [domínio público]: Carla Piazzi, Fernanda Heitzman e Laura Del Rey
Tratamento de imagens: Angela Mendes
Ass. design: Fernando Zanardo
Catalogação: Ruth Simão Paulino
Agradecimentos da editora: à confiança amorosa de Carla Piazzi e a essa equipe dos sonhos e do coração, sem as quais não seria possível realizar um livro desse porte em uma editora tão pequena; e a: Giuliano F. Rossi, Lucas Verzola, Miriam Marinotti, Vilma Heitzman e Roberto Taddei

Sobre o(a) autor(a)

CARLA PIAZZI nasceu em Inhumas – GO (1965), viveu em Brasília, no Rio de Janeiro e atualmente mora em São Paulo. Luminol (Incompleta, 2022), finalista do Prêmio São Paulo, é seu romance de estreia. Carla tem formação em História, pós-graduação em Gestão de Projetos Sociais e MBA em Bens Culturais. É uma das autoras da coletânea de contos Apañado (Incompleta, 2021) e participou da coordenação do livro Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa (Hucitec/Edusp 2001), vencedor do Prêmio Jabuti 2002 na categoria ‘Ciências Humanas’.

Prêmios, imprensa, comentários

Finalista do Prêmio São Paulo de Literatura na categoria: Melhor Romance de Estreia 2022.

“Luminol, de Carla Piazzi, é um exemplo de romance-fluxo, um “alargamento” por histórias que se cruzam através de três narradoras, misturando gêneros, temas e assombros. Todo o livro parece assentar na ideia explicitada à página 28: ‘Quando a gente sabe o que as palavras carregam, elas não nos deixam mais em paz’. A fertilidade normalmente é encharcada. Pensei nesse princípio biológico diante da vastidão de Luminol, e recordei certo artigo de Robert Smithson — um dos principais nomes da Land Art — sobre os “projetos de terra” que podem ser aplicáveis a várias matérias artísticas, inclusive a literária.” –– Tércia Montenegro [Jornal Rascunho]

Um tijolo numa edição bonita que só. […] Esse romance de estreia é apresentando como um luto labiríntico narrado por meio de três vozes diferentes. Entre amizades e assombrações numa região erma, montanhosa, e mistérios que dialogam com momentos dramáticos de nossa história, uma literatura cheia de camadas subterrâneas para o leitor explorar.” –– Rodrigo Casarin [UOL]

“Nascida em Inhumas (GO), Piazzi mora em São Paulo. Na ausência de relações recentes com a Goiabeira, sabemos pouco sobre ela para além das pistas deixadas em seu primeiro livro, o emblemático Luminol. […] Esse romance ficcional polifônico, que tem base na escrita diarística, também traz propriedades acendedoras do chakra core. Dentre tantas outras, destaco essa autora goiana porque sua dedicação a reescritas, ao longo de dez anos, arremessa a literatura que se faz pela vaporosa esperança no improvável. Especialmente para a mulher, a impossibilidade está disponível, mas quem decide se entregar à Literatura não liga para isso. O impossível pouco importa para quem sonha publicar um livro e ter suas palavras escolhidas encontradas por outras pessoas na intimidade da leitura. Um exercício de liberdade e aberturas, uma conquista. Por isso leio mulheres. Que é pra me dar coragem.” –– Larissa Mundim [O Popular]

“As lembranças são o tema central do livro — elas iluminam a escuridão da casa, oferecem orientação e tornam a vida possível. Na segunda parte do romance, intitulada ‘O diário’, lemos os registros de Clara, mãe de Maya, e acompanhamos a protagonista em sua busca por pistas do passado. Esses escritos começam com a descrição da vida de Clara em uma fazenda isolada e escondida, que serviu de refúgio para opositores da ditadura militar. Clara deixou sua filha Maya aos cuidados da mãe e da avó, após a morte do pai da menina. Em seu novo cotidiano, tenta se integrar a uma vida comunitária com outras nove pessoas, enfrentando seus traumas por meio da escrita de um diário, de leituras diversas (entre elas O Tambor, de Günter Grass, e obras de Léon d’Hervey de Saint-Denys), da análise dos próprios sonhos, da meditação e da filosofia oriental. O romance nos transporta para o Brasil dos anos 1970. A pergunta central permanece: “O que resta de uma pessoa quando ela tenta sufocar a memória para seguir em frente? E o que resta de um país?”.” –– Dannia Schüürmann [Literaturübersetzerin & Autorin]

“O momento em que Luminol me caiu em mãos, pela primeira vez, não poderia ter sido mais propício. À época, perdida na escuridão de um bloqueio criativo que me emperrava um romance, depois de anos sem escrever um diário, e movida por leituras de múltiplos textos de caráter íntimo, achei que seria boa ideia retomar a prática, mas dessa vez com um objetivo claro: refletir sobre o meu próprio processo de criação e encontrar tanto os fatores que me alavancavam, quanto aqueles que obstruíam o caminho rumo à obra finalizada. […] Neste contexto, meu encontro com o Luminol me fez enxergar com clareza o quanto a vida, o registro da experiência e a ficcionalização da realidade são elementos indissociáveis e interinfluenciáveis, que se mesclam e se contaminam como tintas de cores diferentes dissolvidas na água.” –– Aline Caixeta Rodrigues [Revista Revell*]

“Em meio ao caos – literal e psicológico –, Maya descobre um diário escrito pela mãe, Clara, e pede à sua editora, Laura, que venha visitá-la, pois precisa de alguém para o ler com ela. Neste ponto, o leitor chega à segunda parte do livro, ‘O diário’, também dividido em três partes, com entradas numeradas segundo os infinitos cem anos do século XX. Aos poucos, vamos compreendendo o contexto de Clara, igualmente refugiada no campo, mas por outra razão: a perseguição política a opositores da ditadura militar. Enquanto lemos o diário, Laura e Maya também o fazem, tecendo breves comentários ao fim de cada entrada, mas apenas para tentar encontrar títulos para os dias (essa nossa mania de querer dar nome às coisas), esforçando-se para não tocar em nada ameaçador, até que chegam ao ano de 1997 […] Começo então pela gênese da obra a partir das palavras da própria autora acerca dos fatores que impulsionaram a escrita de Luminol, destacando de imediato um termo que também parece estar na origem de tudo o que fazem suas personagens; e com o qual estão bastante familiarizados os escritores em geral: a obsessão.” –– Aline Caixeta Rodrigues [Revista Revell*]

*Publicado na revista Revell nº 37, ano 2024, o artigo Palavras na gaveta: (des)razões e destinatários na gênese de um diário busca desvelar os mecanismos subjacentes à escrita de diários pessoais, utilizando Luminol como corpus central de análise. Assinam o texto Aline Caixeta Rodrigues e Luiz Antonio de Assis Brasil. [Leia aqui o artigo na íntegra, bem como uma entrevista com a escritora Carla Piazzi]

Trechos

“Não consigo pensar agora em nenhum guarda-roupa mais entulhado que o da intuição. Qualquer tentativa de vislumbrar a nudez dessa percepção misteriosíssima, que dizem ser a ponte entre o humano e o divino, culmina numa indumentária. Cresci olhando pra essa ponte vestida de anjo da guarda. Posso ler o que for, buscar outras estéticas, outros símbolos, expurgar superstições, matar Deus e desencantar o mundo, que a imagem e o toque do anjo não se desfazem.”

Mas se decidi soltar um tanto de minha história, e se em torno dela voassem outras, por que eu haveria de querê-la aprisionada em um relicário? Há de se preparar pra nudez pública? Pro escrutínio da intimidade? Não, não existe preparo, isso é uma escolha. Ninguém encostou em mim, eu mesma arranquei minhas roupas. No fim das contas, a única coisa que ficou comigo e que me faz continuar é o desespero; é ir até minha escrivaninha a cada manhã com a convicção de que não me resta nada, é a renovação diária da contradição: entrar, de bom grado, num beco sem saída.”

“Isso me fez pensar que é melhor haver um bom espaço entre o erro e o arrependimento. Esse tempo, pra ser otimista, é uma trégua entre fazer algo com convicção, tocar a vida e depois, se for o caso, tomar consciência do erro. Mas fazer besteira e se arrepender imediatamente potencializa o problema. Junta demais as coisas, ou seja, fiz merda, sei que fiz, não tem como voltar atrás. Fica tudo atravancado. Acho que o descontrole precisa ser um espetáculo coletivo, se for isolado ele degrada demais a pessoa. Fiquei meio decepcionada com Ana, mas coitada. Afinal, é a única de nós que não teve de abandonar tudo na marra, no medo.”

“Estou num lugar amplo, miro um horizonte e logo atrás vem outro e depois outro e outro, até não conseguir distinguir o que está em cima do que vem por baixo. Pra onde olho, uma inundação de espaço. Posso correr ou nadar por dias que não chego ao fim. E, mesmo assim, aqui não tem fora. Não tem jornal, rádio, estrangeiro, casa do vizinho, anonimato pra dissipar uma nuvem que, pelo seu peso e extensão, virou o próprio céu. E o céu vira telhado. Tudo está dentro de casa, não tem distância, não tem distração.”

“Tem um vento bom passando por aqui. 

Parte da humanidade, aquela que me toca, poderia ter crescido com histórias que falassem mais de um vento bom do que de felicidade. O vento, tanto faz se enredo ou personagem, é mais honesto e verossímil. O vento existe no tempo, no espaço e na sensibilidade, traz e leva coisas, vai e vem, e nesse movimento acaba trazendo uma espécie de realidade, a impermanência, com a qual deveríamos ter sido acostumados desde pequenos. Já a felicidade me parece uma massa de modelar ruim, uma gosma tão disforme que liga alguma consegue sustentar por muito tempo. Crescemos na falácia de uma concretude porvir e nos transformamos em artesãos famintos, obcecados por uma substância que se desmancha o tempo todo e nem deste mundo é. Com a alegria, a história é diferente: ainda que venha só como um vento bom, ela parece ter um corpo feito de uma substância muito comovente e generosa, que anima cada célula de quem a experimenta e traz uma espécie de presença e contentamento que promessa nenhuma de felicidade pode carregar.”

“Saint-Denys tem razão. Faz mesmo sentido que o registro do sonho seja a ponte que aproxima os modos de existir. O esforço do sonhador pra organizar e comunicar o que sonhou (na fala, quase sempre desisto na metade) espelha o mundo, e o sonho passa a fazer parte de um tipo singular de mobiliário. Deixa de ser a fumaça da madeira queimando e se torna madeira reconstruída. Uma interferência na realidade. Um armário fantasma. Ainda assim, um armário.”

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