—
GABRIELA: Em que medida a sua mudança de Montevidéu para Buenos Aires, quando era pequena, e os seus retornos por vínculos familiares permitiram que você fosse a escritora que é?
Tem um aspecto da minha relação com a linguagem que acredito ter a ver com esses deslocamentos: a atenção que, desde bem nova, eu dei às pequenas diferenças que existem no vocabulário, ou nos giros da nossa linguagem cotidiana que fazem com que uma pessoa pertença a um determinado lugar, ou classe; ou que delatam qual educação ela recebeu, ou o que pensa sobre determinado assunto, até mesmo antes de dar uma opinião. A linguagem não é um disfarce que a gente consegue trocar facilmente para enganar os outros – e isso nos torna, a todos (especialmente porque não somos muito conscientes disso), seres bem mais vulneráveis do que pensamos. Sinto que a vulnerabilidade e as formas como nos relacionamos com o mundo e as pessoas que o habitam são o coração da minha escrita, pelo menos agora.
GABRIELA: Se você pudesse fazer um exercício de “como teria sido”, quais acha que seriam os seus personagens favoritos, se não tivesse saído de sua cidade natal?
Se tivesse sido criada em Montevidéu, teria vivido rodeada pelos meus avós e primos e tios e todas essas pessoas com as quais quase todo mundo se relaciona cotidianamente só porque fazem parte da família; a grande família. Então, suponho que eu teria podido observá-los, e “usar” isso muito mais e melhor do que posso hoje, por nossa relação ter sido pouca e esporádica.
GABRIELA: Como é a mulher que observa Amanda?
É empática e silenciosa, e busca não tirar conclusões sobre o que está vendo, mas sim apresentar tudo da maneira mais limpa de juízos possível e cheia de detalhes, para que o leitor possa sentir o que lê. Ou, pelo menos, é isso o que ela tenta.
GABRIELA: De tudo o que não se fala na casa de Amanda, há coisas por dizer que você gostaria de dizer?
Eu não acrescentaria uma só palavra. O silêncio é a chave do que está acontecendo naquela casa. O silêncio e o barulho de fundo; é nesse abismo que a história está acontecendo.
GABRIELA: O que é a literatura para você?
É uma forma de estar no mundo, e de entendê-lo. Desde muito pequena, e ainda sem buscá-las, encontro nos livros explicações que preciso para entender o que acontece comigo e o que está acontecendo ao meu redor.
A entrevistadora GABRIELA AGUERRE é uruguaia e vive em São Paulo desde pequena. Trabalhou muitos anos como jornalista de viagens, abriu uma editora de livros digitais e escreveu um romance, ainda não publicado. // As biografias de Vera Giaconi e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução da entrevista por Laura Del Rey. // Tradução do conto “Água gelada” por Raquel Dommarco Pedrão.