[ Uma conversa entre a colaboradora convidada Benaia Oliveira e a escritora guadalupenha Maryse Condé. Esta entrevista foi realizada para a Puñado 7, em 2021 ].

BENAIA: Os feitiços sempre mantêm um elemento oculto, secreto, no intuito de evitar que seu poder tão precioso chegue a qualquer pessoa. Considerando a escrita como uma forma de fazer magia, como a senhora enxerga o papel do oculto dentro das suas histórias?

Não vejo o ato de escrever exatamente como uma forma de fazer magia. Alguém que escreve é um tipo complexo de criador: ao mesmo tempo que faz mágica, também pinta. Uma escritora lida com os sonhos e com o real. Na mistura dessas habilidades é que se formam os elementos ocultos que você mencionou.

BENAIA: A relação com a morte é um grande tabu no Ocidente, mesmo ela estando intimamente relacionada à própria vida. Trazer as diversas possibilidades de “morte” nos seus escritos seria uma forma de quebrar tabus, ou, na verdade, de falar sobre a vida?

No Caribe, em especial em Guadalupe, onde nasci, a morte não é um tabu – falamos dela o tempo todo. Os mortos permanecem entre os vivos e dão conselhos sobre tudo. Por exemplo, minha mãe, que morreu quando eu era muito jovem, vem se encontrar comigo todos os dias, e nós conversamos sobre cada detalhe da minha vida.

BENAIA: Mesmo que o ser humano esteja sempre buscando ser considerado “bom”, ele falha, naturalmente, ao tentar silenciar seu lado mau. Como a senhora enxerga a construção das suas personagens nessa perspectiva? Trabalhar essa dualidade seria, de certa maneira, uma tentativa de humanizar o leitor? 

Sim, não penso que as pessoas recaiam nas categorias de boas ou más. São ambas as coisas o tempo todo. Eu entendo essa complexidade pelo fato de que os seres humanos não sabem exatamente de onde vieram e para onde vão depois da morte. Isso me faz lembrar do pintor Paul Gauguin, que nomeou uma de suas pinturas assim: “De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?”.

Em um de meus romances, The wondrous and tragic life of Ivan and Ivana [2017], as personagens de Ivan e Ivana representam essa constante luta entre o bem e o mal – e acabam por ser uma combinação de ambos, já que são irmãos gêmeos.

BENAIA: A forma como a senhora aborda o amor é, muitas vezes, a partir de um lugar bastante dolorido. Isso seria uma crítica a um ideal de amor romântico que nunca foi possível e vivenciado por determinados corpos?

Nem sempre isso é verdade em meus livros. Eu entendo o amor entre as pessoas como a única forma de superar as dificuldades e os problemas inerentes à vida. No meu último romance, L’Évangile du Nouveau Monde [2021], trato muito disso. O herói, Pascal, embora se esforce para viver num mundo mais harmonioso, não consegue, fracassa, e só encontra consolo no amor de uma garota, chamada Soledad.

BENAIA: No livro Traversée de la mangrove [1989], a personagem Léocadie Timothée recebe um chamado do mar profundo, como se um impulso natural a convocasse para sua própria sobrevivência, mas ela se afasta. “Na maioria das circunstâncias nós achamos que os instintos são perigosos. Preferimos confiar na razão e no senso comum.” Na sua visão, quanto deixamos de viver ao entender nossos instintos como perigosos? A domesticação dos sentimentos nos torna mais protegidas ou menos vivas?

É verdade. Na maioria das circunstâncias nós achamos que os instintos são perigosos. Preferimos confiar na razão e no senso comum.


BENAIA OLIVEIRA é graduanda em Ciências Sociais e taróloga na página @minonaancestralidadeecura, onde aborda processos de autoconhecimento e autocuidado inspirados na ancestralidade africana, desenvolvendo um trabalho com o tarô para além das visões desiguais e estruturais da sociedade. // As biografias de Maryse Condé e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Entrevista realizada em setembro de 2021 e traduzida do inglês por Marcos Casilli e Raquel Dommarco Pedrão.


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