[ Uma conversa entre a colaboradora convidada Camila Gutierrez, a autora Julianne Pachico e nós da Puñado. A entrevista foi realizada em 2017 e integra a Puñado 2. O conto de Julianne traduzido e publicado na revista se chama “Honey bunny” ].

PUÑADO: Você opta por chamar a protagonista do conto de “ela”, ao invés de lhe dar um nome próprio, e usa uma escrita em terceira pessoa bem colada à personagem. Gostaríamos que você comentasse um pouco essas escolhas no que diz respeito à identidade complicada da personagem e também como você decidiu manejar questões como a memória e os estereótipos.

Essa é uma pergunta interessante de responder. No contexto de The lucky ones, a narradora de “Honey bunny” tem um nome. Como conto independente, eu quis enfatizar a solidão e o isolamento da personagem. Ela não tem mais uma conexão genuína com a terra natal; está perdida, à deriva. Ainda assim, as memórias de infância voltam com força, num ímpeto incontrolável.

Quanto ao uso da terceira pessoa, acho essa a forma mais fácil de escrever. Acho difícil escrever em primeira pessoa, a menos que você já tenha em mente uma voz muito forte. Essa era uma personagem que não se conhecia muito bem, então o uso da terceira pessoa me pareceu o mais adequado.

Em relação aos estereótipos, acredito que vocês estejam se referindo ao fato de a Colômbia ser representada na cultura popular principalmente através das drogas. Depois da publicação do conto na The New Yorker, teve gente que me escreveu, por ter achado de mau gosto: “A Colômbia é mais que drogas” etc. Claro que eu sei muito bem disso, mas desde o começo queria incluir uma história na coletânea sobre um personagem usando drogas, porque, para muitas pessoas, essa é a principal via de contato que se tem com o país. Não representar isso me parecia desleal.

CAMILA: Gostei muito de como você trabalhou o mundo interno da personagem através dos acontecimentos e das ações. O texto tem uma estrutura narrativa muito bem trabalhada, mas que não fica evidente, já que a leitura nos envolve e o que predomina são os sentimentos. Como funciona o seu processo de escrita? Você costuma criar a estrutura antes de escrever? Trabalha da mesma maneira ao escrever um conto e um romance?

Que bom que você tenha se sentido assim (e obrigada por me contar). Os sentimentos também são muito importantes para mim enquanto leitora! Quando escrevo contos, nunca monto uma estrutura de antemão. O primeiro rascunho de “Honey bunny” era bem diferente: se passava em Londres, num cenário de distopia futurista. Evidentemente, mudou muito! É mais fácil manipular essa exploração num conto de 5.000 palavras do que num projeto de romance de 60.000. Estou escrevendo um romance agora e fiz alguma estruturação, esbocei, mas não sigo obsessivamente nenhum roteiro. Meu processo de escrita começa com uma imagem específica, uma sensação de curiosidade. É um sentimento muito instintivo, e sempre difícil de explicar.

CAMILA: Quais são os temas ou questões recorrentes na sua escrita, as questões que te movem a escrever? E por que?

Crianças, jogos de faz de conta, amizades intensas, natureza, animais, rituais obsessivos, leitores ainda mais obsessivos. Algumas pessoas perceberam na minha escrita uma sensação de perigo ou mal-estar, especialmente em relação à maneira dos homens olharem para as mulheres e como elas se sentem ao serem observadas por eles.

As questões que me motivam a escrever são semelhantes às que me motivam a ler: não me sentir só, ocupar a mente com alguma coisa, me entreter, ter a sensação de fazer algo pequeno, mas que vale a pena. O que mais me estimula é acreditar que todos têm uma voz que precisa ser ouvida; que todos têm histórias que merecem ser ouvidas. Adoro os livros que me fazem enxergar o mundo de um jeito diferente; livros que contam histórias que talvez, de outra forma, eu jamais conheceria. Não sei se a minha escrita atinge esse fim, mas talvez seja bom ter um objetivo que você nunca consiga alcançar por completo, porque isso significa que você continuará para sempre trabalhando nele!


CAMILA GUTIERREZ é cineasta e se dedica à narrativa, seja na montagem ou no roteiro. // As biografias de Julianne Pachico e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução da entrevista por Laura Del Rey e Raquel Dommarco Pedrão. // Tradução do conto “Honey bunny” por Raquel Dommarco Pedrão.


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