[ Além das entrevistas principais no miolo da revista, as quatro autoras da Puñado 4 também responderam a um bate-bola rápido sobre rituais, com perguntas iguais para todas. Aqui vão as respostas de Jarid Arraes]:

Imagens que você relaciona à ideia de ritual: Círculos, mãos dadas, tempestades, dança – muita dança. Pequenos cuidados, grandes cuidados. Pássaros, especialmente pássaros pretos. Pentear os cachos, ler tarô. Alguém escrevendo.

Palavras que você relaciona à ideia de ritual: Palavras em yorubá, em hindi e punjabi. Ametista, chá, lua, pente, fumegar, casca, repetição, atrair, repelir, liturgia, hábito, fogueira, livro, tarô.

Um espaço onde tenha participado de um ritual: Meus rituais são corriqueiros, em casa, de autocuidado, de expurgamento pela escrita.

Um objeto pessoal de valor ritualístico: Meu deck de Tarô Rider Waite.


 

[ Conversamos com Jarid Arraes sobre o conto “Talita cumi”, publicado na Puñado 4, e convidamos a brasileira Patricia Chmielewski para fazer mais algumas perguntas à autora. A entrevista foi realizada em 2018 ].

PUÑADO: Ao conseguir que livros como os seus se tornem destaques de vendas, fica claro que existe um espaço (e leitores) para esses temas e formatos. Achei muito simpático quando te ouvi dizer que um leitor, inspirado pelo livro Heroínas negras brasileiras, criou um cordel para a Lady Gaga. Você pode falar um pouco sobre a mobilidade que você tem entre o público jovem e sobre esse entrosamento entre a cultura popular nordestina e a cultura pop contemporânea?

Muita gente fica surpresa com essa mobilidade, mas para mim ela sempre foi muito fluida e parte de mim. Eu escrevo cordel, gosto de maracatu e sou a maior fã da Lady Gaga que poderia existir. Eu falo sobre questões raciais e não ouço rap. Acho que muitos adolescentes, como esse que escreveu um cordel traduzindo “Born this way”, enxergam isso e se identificam. Isso tudo é repertório, é referência que a gente vai juntando e transformando em uma arte com a nossa identidade.

É o que faz das nossas criações algo diferente desse “mais do mesmo” que eu ando sempre criticando por aí. Como posso criar personagens que não sejam sempre brancos-urbanos-hétero-etc., se eu não tenho referências diversas? É claro que também sou jovem e isso tem parte no meu papel, mas qualquer pessoa pode fazer literatura com personagens diversos, temas surpreendentes, estética inovadora, e assim por diante – se estiver disposta e se tiver o desejo de ampliar suas referências.

PATRICIA: Você vem de uma família de cordelistas e xilogravadores, e grande parte de sua obra utiliza o formato do cordel para contar a história de grandes mulheres negras do Brasil. Octavio Paz fala em seu clássico O arco e a lira que “o poema não é uma forma literária, mas o ponto de encontro entre a poesia e o ser humano”. Como você acha que o cordel e a xilogravura influenciam a sua escrita, para além da forma?

Vejo que o cordel e a xilogravura despertaram em mim uma espécie de revolta. Eu sempre achei o cordel impressionante. Muitas vezes comparava a técnica literária do cordel com alguns livros de poesia que eu lia e não entendia por que a literatura de cordel era tão ignorada por meus amigos leitores, pelas livrarias e até mesmo pelas próprias escolas do Cariri. Quando eu cresci, é claro, entendi que tinha muita coisa sustentando essa marginalização: o nordeste sendo preterido e abjeto para o sudeste e o sul; a tal “cultura popular” sendo sinônimo de folclore e não de cultura, enquanto outros tipo de poesia são “alta literatura” (que inferno é isso? Vão se foder, sabe?); o racismo; entre outros problemas.

Então o cordel me acordou e me mantém acordada. Eu tenho paixão pelo cordel e pela xilogravura porque eles me dão uma identidade que ninguém pode tomar de mim. Eles me pertencem, eu pertenço a eles. Nenhum crítico pode dizer que esse não é meu lugar, como tantas vezes fazem com mulheres que escrevem em outras linguagens literárias. Eles não estão capacitados a criticar cordel. E eu levo parte dessa postura para muita coisa. É a respeito disso que falo quando encorajo mulheres e digo que escrevam sim, que publiquem sim, que não mendiguem, não se submetam, que não esperem espaço no mercado. A gente precisa de outra lógica, construir essa coisa outra.

PATRICIA: Em abril deste ano foi lançado o selo Ferina, criado por você e pela editora Lizandra Magon. O selo pretende trazer mais representatividade para a literatura feita por mulheres. Pode nos falar sobre a invisibilidade de mulheres, pessoas negras e LGBT no atual panorama literário?

O que estamos fazendo com a Ferina é ensinar que, quando há desejo, é mais do que possível que um projeto (evento, romance etc.) não seja feito só com pessoas (incluindo mulheres) brancas e heterossexuais, por exemplo. Essa foi uma prioridade desde que firmamos a parceria. O mercado editorial é ridículo. Temos material acadêmico respeitadíssimo que analisa o machismo, o racismo e a centralização no sudeste que domina as publicações. Quando vou a uma livraria procurar por livros de poesia, só encontro autores e autoras brancos, do sudeste e do sul. Meu compromisso como curadora é não permitir que isso aconteça; é trazer autoras do norte e nordeste, é ler com atenção, é não deixá-las esquecidas – como tantas editoras, mesmo pequenas, fazem.

A Ferina é pequena, a distribuição no mercado é um nó complicado para quem não é grande, mas eu construí minha carreira desafiando esses bloqueios todos e sei como usar as redes. Então vamos utilizar nosso conhecimento para mostrar autoras excelentes que, infelizmente, ainda não encontram espaço. Agora, de fato, essa responsabilidade é de todos, só que precisa partir de um desejo. Se há o desejo, então você precisa mudar seu piloto automático. Comprar direto com as autoras ou com as editoras pequenas, por exemplo.

Quando for procurar nas lojas das editoras, gastar um tempinho lendo as biografias das autoras e ver de quais estados elas são…, porque aí você pode comprar mais livros de autoras do norte e do nordeste; reclamar com organizadores de eventos que só convidam autoras brancas, achando que só ter mulher já é o suficiente; convidar mulheres indígenas e negras para uma revista como esta; buscar descobrir nomes que você não conhecia, encomendar em livrarias, divulgar nas redes sociais. Tudo isso faz diferença. Como autora que começou do nada, posso garantir.

PATRICIA: Sabemos que vem por aí um livro seu de poemas. O que o público deve esperar dessa nova obra?

Um buraco com meu nome é o meu livro mais pessoal e mais diferente dos meus outros trabalhos. Nele, mantenho toda a minha abordagem política. São poemas profundamente políticos. São políticos “na cara”. Pá. Mas não é cordel, não é didático. Sou eu escrevendo a poesia que eu cresci lendo e que eu sempre quis publicar. Eu falo de misoginia, de racismo, de identidade racial, de estupro e de transtornos mentais. São temas pesados, difíceis.

É um livro pesado, mas acredito que ele oferece um lugar de descanso, de fôlego. As pessoas podem esperar babado, confusão e gritaria [risos]. Trabalhei muito nesse livro, estou emocionalmente e fisicamente exausta.


PATRICIA CHMIELEWSKI é escritora, poeta, autora do livro Toda mulher é uma puta e aluna do CLIPE – Curso de formação de escritores da Casa das Rosas. // As biografias de Jarid Arraes e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui.


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