[ Conversamos com Andrea Jeftanovic sobre o conto “Até que se apaguem as estrelas”, publicado na Puñado 3, e convidamos a brasileira Mell Brites para fazer mais algumas perguntas para a autora. Esta entrevista foi realizada em 2018 ].

PUÑADO: Escolhemos um conto particularmente terno do livro No aceptes caramelos de extraños para publicar. Muitos dos outros textos tratam de aspectos mais conflituosos das famílias. Li, inclusive, que o livro foi censurado em alguns países, por causa do conto “Árbol genealógico”, que trata do tema do incesto. De onde veio a vontade de criar essa obra, que passa pelas relações humanas de tantos ângulos e maneiras, e como você sente a dificuldade dos leitores (ou dos vendedores de livros?) de lidar com determinados temas na literatura – que, por outro lado, são tão presentes nos noticiários, por exemplo?

Esse pode ser um conto mais luminoso dentro da coletânea, mas também é um relato traiçoeiro, porque existe uma reflexão sobre a eutanásia – ainda que eu saiba que também estão presentes a ternura da cumplicidade entre pai e filha e um jeito travesso de enfrentar a velhice e a morte. Nesse caso, eu quis trabalhar a complexidade do luto sem corpo.

Num livro de relatos, me interessou pensar um caleidoscópio desse núcleo que chamamos de “família”, um núcleo sempre povoado por sentimentos intensos e contraditórios: de amor, de inveja, de moderação e de mágoa. A genealogia é herança e dívida.

Eu quis montar um cenário onde o familiar pode ser ameaçador, nefasto. Não porque as famílias reais sejam dominadas pelo negativo, mas porque, como território literário, é perturbador encontrar esses sentimentos em espaços próximos a nós. Desde a tragédia grega, estamos expostos a essa ambivalência, ou a essa intersecção entre o amor e a traição, o individual e o político. É o caso de Édipo, Medeia, Antígona.

Os problemas de censura do livro continuam sendo incompreensíveis para mim. A gente espera que os editores sejam leitores mais audaciosos. Porque, na realidade, a literatura explora, “hipotetiza” com a condição humana… não é um manual de comportamento cívico. As tramas são infinitas e, desde a Bíblia, estamos lendo sobre o tema da família disfuncional ou sobre os laços afetivos perigosos.

MELL: Por que escrever ficção e não ficção? Quais as intersecções entre os dois campos na sua obra?

A ficção é muito sedutora, intensa e egocêntrica. Adoro o processo, a imaginação, me divirto, fico obcecada… e, talvez por isso, preciso de algumas pausas. Gosto de alternar com a não ficção, onde exploro o meu lado analítico, a minha curiosidade intelectual. Gosto de registrar as emoções e expandir o diálogo que outros autores, livros, obras de teatro, pinturas e viagens provocaram em mim. Por ora, essa alternância me faz muito bem.

MELL: Como uma brasileira que ama a língua espanhola e a América Latina, sinto que o Brasil fica um tanto distante dos seus vizinhos. Você sente a mesma coisa? Como vê o Brasil dentro da América?

Somos vizinhos que nos damos as costas! Temos que fomentar intercâmbios, traduções, trânsito cultural. A música e o cinema brasileiro cruzam fronteiras, mas os autores contemporâneos chegam de um jeito atrasado e pontual. Eu tive a sorte de aprender português e de conhecer a sua rica tradição literária durante o meu doutorado na UC Berkeley. Desde então, leio com fascínio Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, e também autores mais contemporâneos, como José Luiz Passos, Carola Saavedra, Michel Laub, Ana Paula Maia, Paloma Vidal e Luci Collin.

MELL: Qual é a sua palavra preferida no idioma espanhol? (A minha é “mirada”).

Escápulas.


MELL BRITES é editora do selo infantil da Companhia das Letras, mestra em literatura brasileira pela USP com dissertação sobre a infância na obra de Clarice Lispector e ministra cursos sobre literatura infantil. // As biografias de Andrea Jeftanovic e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução da entrevista por Laura Del Rey. // Tradução do conto “Até que se apaguem as estrelas” por Raquel Dommarco Pedrão.


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