Práticas para destrinchar a cidade

Uma coisa que sempre me admira são artistas que trabalham com objetos garimpados pelas ruas. Como é que conseguem encontrar tamanha diversidade pelo chão? Eu, que invento as caminhadas mais improváveis e me julgava uma exímia observadora de cidades, nunca encontrei nada digno de nota. Nada mesmo. Talvez a resposta para isso esteja nas imagens que compõem este livro. É que caminho olhando para cima. Caminho procurando o horizonte que insiste em se esconder. Caminho juntando um edifício a outro, que somado ao próximo e subtraído do anterior, acaba formando um desenho inesperado. E outro. E mais um. Talvez por isso também, já tenha perdido a conta de quantas vezes torci o pé.

“Como você gosta de parede velha”, me disse uma vez minha avó, depois de visitar uma exposição que fiz. Difícil explicar que, na verdade, nem gosto tanto assim. Fotografo para mostrar que deveria estar vendo algo que não estou, que minha vista está barrada, a cidade cresceu demais. Fotografo para tentar entender por que a cidade se tornou assim.

Para destrinchar o que vejo, vou cavoucando as imagens, eliminando partes, recortando aqui e acolá, tentando tirar da frente para ver o que há por trás. Respostas não encontro, mas me deparo com mais um prédio, uma empena, formas e cores, e a curiosidade só aumenta para descobrir o que vem depois. O horizonte segue fugidio, mas e se eu tirar aquele outro pedaço do caminho? Tenho certeza de que, mais cedo ou mais tarde, ele vai aparecer.

— Letícia Lampert