[ Uma conversa entre a colaboradora convidada Luciana Bento e a autora porto-riquenha Ivelisse Rodriguez. Esta entrevista foi realizada para a Puñado 6A, em 2019 ].

LUCIANA: Qual é o seu sonho como escritora? Quem ou o que você pretende alcançar com suas palavras?

O que eu sonho como escritora é escrever palavras bonitas e sentidas, que tenham a capacidade de mudar a vida de alguém ou de servir como um lema de vida. Eu gostaria que os leitores pegassem algumas de minhas palavras, apertassem junto ao coração e as usassem para sobreviver. Acho que esse é o sonho mais puro que tenho como escritora – todos os meus outros sonhos são tão comerciais e autocentrados! Mas, de algum modo, o sucesso comercial, a venda dos livros, os prêmios, convites… esses são caminhos tangíveis para se constatar o sucesso.

Agora, o que eu não posso depreender – a menos que os leitores me digam diretamente – é como eles se sentem e o que tiram da minha ficção. Então amo escutar sobre como alguma de minhas histórias ajudou a acalmar um coração partido, ou deu um pequeno conselho para alguém levar consigo… Amo quando os leitores sentem que alguma frase estava falando diretamente com eles.

Ao mesmo tempo, claro, também me interesso pela venda dos livros. Mas, se tudo der errado, a coisa mais importante a manter em mente, para sentir que o meu sonho como escritora foi preenchido, é relembrar constantemente que eu escrevi palavras que funcionaram como um bálsamo para o coração.

LUCIANA: No Brasil, não é tão comum o estudo da escrita criativa. Escritoras e escritores brasileiros, em geral, escrevem acessando mais o talento do que a técnica ensinada nas universidades. Você é Ph.D. em English – Creative writing pela Universidade de Illinois, em Chicago. Como avalia o impacto do estudo da escrita criativa para quem deseja seguir a carreira de escritor(a)?

Esse é um debate frequente aqui nos Estados Unidos: se um escritor deveria, ou não, ter um master ou uma especialização em escrita criativa. Eu vejo muitos benefícios em estudar formalmente a escrita. Em termos de habilidades específicas, acho que você pode aprender ferramentas e atividades às quais conseguirá recorrer quando se sentir travado em seu processo. Por exemplo, quando eu leciono para estudantes de graduação de escrita ficcional, acabo encontrando um monte de informações úteis nos livros didáticos que utilizamos e que posso, posteriormente, aproveitar para a minha própria escrita; a minha mente se areja e refresca com ideias que eu nem estava pensando sobre.

Se bem feito, estudar escrita criativa permite pelo menos dois anos concentrados, nos quais você pode se dedicar à sua escrita. Além disso, estarão por perto colegas tão sérios quanto você, que irão criticar seus trabalhos e te ensinar formas de olhar para ele. Parte de ser um escritor é estar diante dos olhos do público, e algumas pessoas irão dizer que o seu trabalho é horrível. Você precisa aprender a lidar com isso, ou não vai sobreviver como escritor. Por fim, dependendo de em qual programa estiver, ainda é possível aprender sobre publicação (editorialmente falando) e conhecer profissionais da indústria. Publicar é um processo muito misterioso, então quanto mais se souber de antemão, melhor.

LUCIANA: O conto “O verão de Nene” faz parte do seu livro Love war stories. No Brasil, temos pouco acesso à escrita de mulheres afro-latinas. Apesar da proximidade geográfica, a barreira do idioma ainda é um dos entraves para que brasileiros conheçam mais dessa produção. Como é seu diálogo com outras escritoras afro-latinas? Quais delas influenciaram sua trajetória literária?

Eu sei que há um movimento atual no sentido de destacar a afro-latinidade, mas minha negritude nunca foi separada da minha “porto-riquice”. Nós temos todos esses países latino-americanos nos quais o comércio de escravos aconteceu e a miscigenação operou em diferentes níveis, então a afrolatinidade vai significar coisas diferentes em países diferentes. Para mim, como porto-riquenha, minha “porto-riquice” vem primeiro, antes da minha cor. Ao mesmo tempo, não são duas coisas separadas. Então eu posso responder melhor a sua questão em relação a como outras latinas influenciaram meu trabalho.

A escritora latina que mais me influenciou foi a Sandra Cisneros. Eu amo a coleção de poesias Loose woman, porque apreende tão bem o que é ser uma mulher apaixonada – a saudade, as perdas, a distância entre os amantes. Também me interesso bastante pela icônica poeta porto-riquenha Julia de Burgos – cujo feminismo precoce e a atenção às questões raciais foram muito prementes e impressionantes. Outras influências são Junot Diaz, Piri Thomas e Toni Morrison.

As escritoras porto-riquenhas que pavimentaram o caminho para alguém como eu são extremamente importantes, porque traçaram os primórdios da vida porto-riquenha nos Estados Unidos… como essa vida mudou, e com o que eles se preocupavam naquela época. Eu tinha treze anos quando li pela primeira vez um livro de uma porto-riquenha (Down These Mean Streets, de Piri Thomas), e a coisa mais valiosa que essas escritoras me deram foi que elas me mostraram que podemos escrever livros e ser as protagonistas de nossos próprios trabalhos, que nossas histórias importam.

LUCIANA: Como você percebe a presença feminina na literatura? Acha que ainda existem muitas barreiras para essa produção?

Em termos de latinas na literatura nos EUA, não acho que estejamos bem representadas. Há uma ideia nos Estados Unidos de que os latinos não leem, e que por isso não somos um mercado de leitores viável, o que acaba por fazer com que tenhamos muito mais dificuldades para publicar. Se você olhar para os premiados ou finalistas de prêmios, verá pouquíssimos latinos nas listas. O mesmo acontece com os “mais vendidos”.

O mercado editorial passa por uma fase de grande interesse por escritores emigrantes da Nigéria, Índia, Coréia etc. São fases. A última moda latina na literatura foi a dominicana, ao final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Os obstáculos que enfrentamos nos EUA têm mais a ver com racismo do que com sexismo.


LUCIANA BENTO é socióloga, escritora e criadora do projeto Quilombo Literário, no qual fala principalmente sobre literaturas com protagonismo negro, utilizando redes sociais como o Instagram e o Youtube. Realiza mediações de leitura e oficinas sobre diversidade e representatividade na literatura. Aluna do MBA em Book Publishing da Labpub e colunista do portal Lunetas. // As biografias de Ivelisse Rodriguez e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução do inglês por Laura Del Rey.


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