A bridge (made of stories, ideas, theories) is knowledge. It is public; it is communal: it is where our paths converge. (“This bridge called my back”, Gloria Anzaldúa)
Essa epígrafe de Anzaldúa resume, a meu ver, a política da Puñado, e agora do desmembramento que é a Apañado: a construção de pontes e redes.
Considerando a variedade de países de origem das escritoras publicadas, podemos pensar a revista como um mapa no qual, durante a leitura, linhas são traçadas e caminhos percorridos; um ir e vir de línguas, textos, poéticas e autoras. Com o livro, chega-se a uma nova etapa: um mapa virtual que permite a ubiquidade da tradução e, consequentemente, uma expansão desses diálogos e da compreensão que temos do que é (ou são) a(s) literatura(s) latino-americana(s), bem como as diversas Américas Latinas (ou Abya Yala, Améfrica Ladina), conforme a definição de Josefina Ludmer: “[A América Latina] é uma delimitação do espaço e uma noção eletrônica-geográfica-econômica-social-cultural-política-estética-legal-afetiva-de-gênero-e-de-sexo”. Mais que tudo, a revista mostra como a América Latina é uma translocalidade, ou como defende Sonia Alvarez: uma formação cultural transfronteiriça que não corresponde a territórios delimitados, mas a experiências compartilhadas, marcadas por gênero, raça e classe.
A Puñado cria um corpo literário calcado na tradução idiomática e cultural, e na heterogeneidade da autoria. Trata-se de uma rede de contatos que, ao estimular a interação física, virtual ou mesmo textual entre escritoras, pesquisadoras, tradutoras, leitoras, leitores e contextos transnacionais, permite a construção de uma comunidade. Tal construção perpassa diversos aspectos da revista, que, em seu projeto tradutório feminista e decolonial, é o nó da rede.
Desde o princípio, a curadoria das edições foi formada por mulheres que trabalham para fazer a publicação acontecer e reafirmam seu engajamento, no campo editorial, contra o apagamento sistêmico imposto ao gênero. As redes se expandem pela leitura entre brasileiros, pela conversa entre escritoras, editoras e colaboradores, assim como pela análise comparada dos contos, publicados lado a lado, sem que haja relação prévia entre suas autoras.
Ao viajar entre produções e campos literários nacionais para encontrar textos e conhecer novas escritoras, as editoras realizam um percurso que chamo de “arquitetura do presente” – porque, muitas vezes, apesar de a globalização e a internet terem catalisado tanto as trocas culturais, é preciso “escavar” para encontrar obras de determinadas autoras e países. Assim, as editoras fomentam uma “política das emergências da tradução” no Brasil, contra a realidade das ausências. Podemos dizer que, ao fazer o recorte do presente e reconhecer a qualidade da produção de escritoras contemporâneas, o movimento da revista antecede a eventual necessidade futura de recuperação de autoras invisibilizadas ou esquecidas por questões extratextuais. Assim, se Sandra Gilbert e Susan Gubar propuseram o termo “ansiedade da autoria” para pensar a ânsia das escritoras inglesas vitorianas em escrever, podemos atualizar a metáfora no contexto da Puñado e falar de uma “ansiedade do contato”, do compartilhamento; porque a revista seleciona, traduz, coloca em diálogo e media, recontextualizando textos já publicados em outras línguas e lugares, escritoras e leitores do Sul Global.
Se a Puñado abriu essa trilha, agora a Apañado permite que pensemos nos ecos e na expansão e ressignificação dessa viagem já iniciada pela América Latina, uma vez que novas relações se estabelecem ao contarmos, em uma nova sequência, com textos publicados em edições diferentes da revista. Temos, assim, um apanhado de um punhado de ficções para transitar pela produção literária de mulheres bastante diversas.
// Trecho da apresentação por LETICIA PILGER DA SILVA