[ Uma conversa entre a colaboradora convidada Marcela Katzin, a artista boliviana Liliana Colanzi e nós da Puñado. A entrevista foi realizada em 2018 e integra a Puñado 5. O conto de Liliana traduzido e publicado se chama “Chaco” ].

PUÑADO: Você acredita que suas escolhas como escritora e como leitora/editora têm mais diferenças ou semelhanças? Quer dizer, seria possível pensar, por exemplo, que no seu trabalho como escritora haja uma relação mais “inevitável” com seus temas íntimos/pessoais e que, na editora, você possa ser mais racional ou consciente de tudo, inclusive levando em conta as questões de mercado? Ou você não enxerga assim? O que você acredita que te direciona, principalmente, em cada um dos trabalhos?
Só publico livros que me encantam e me pegam de maneira pessoal. A economia do livro na Bolívia é tão precária que dificilmente se pode fazer cálculos de mercado. O livro com que lançamos a Dum Dum Editora, que foi Eisejuaz, da Sara Gallardo, é um romance difícil e de uma autora pouco conhecida fora da Argentina. Propô-lo foi um gesto kamikaze que por sorte deu certo, porque a primeira edição já está esgotada. Como editora, me interessa intervir no meio, propondo uma sensibilidade outra. Para mim, editar é um trabalho tão pessoal quanto escrever. O conto de Lovecraft que traduzi e publicamos pela Dum Dum, “El color que cayó del cielo”, me ajudou a sair de um bloqueio criativo. E os romances de Mónica Ojeda (Nefando)* e de Martín Felipe Castagnet (Los cuerpos del verano) coincidem com algumas das minhas buscas como escritora.

* Um dos capítulos de Nefando, da autora equatoriana Mónica Ojeda, foi publicado na Puñado 2.

PUÑADO: Qual o personagem de livro que mais te fascinou (ou surpreendeu, ou aterrorizou) na vida?
A menina do conto “Miriam”, de Truman Capote: esse anjo da morte que chega à sua porta com o rosto inocente de uma garotinha.

MARCELA: Como você entende as relações dos Estados Unidos com os seus imigrantes, posto que a Bolívia é um dos poucos países constitucionalmente plurinacionais?
Os Estados Unidos são um país feito por imigrantes, e está claro que não é a imigração em si que incomoda certos setores, mas aquela ameaça de se acabar com a supremacia demográfica branca: os latinos, os árabes, os asiáticos etc. Tenho a sorte de viver em uma cidade muito liberal, mas em geral esses são tempos muito hostis para os imigrantes. Por outro lado, o fato de a Bolívia ser um Estado plurinacional não significa que não tenha, até os dias de hoje, graves problemas de racismo com relação aos indígenas.

MARCELA: Onde você acredita que está a linha que separa a ficção científica e a fantasia do realismo fantástico?
Imagino que com “realismo fantástico” você esteja se referindo ao fantástico latino-americano. A ficção científica tem a ver com fenômenos tecnológicos, deslocamentos temporais (distopias, cenários futuristas, viagens no tempo) e vida extraterrestre; e a fantasia como se conhece nos Estados Unidos engloba a criação de um mundo ficcional e autocontido, com regras próprias. O fantástico latino-americano, por sua vez, é uma forma narrativa que se caracteriza, em linhas gerais, pela invasão do estranho no coração do cotidiano. É a diferença que existe entre Ballard, J. K. Rowling e Cortázar.

MARCELA: Existe algo pior que a morte?
Reuniões às 9h da manhã.


MARCELA KATZIN é argentino-uruguaio-brasileira e formada em Cinema pela FAAP. Atua como iluminadora cênica. // As biografias de Liliana Colanzi e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução da entrevista e do conto “Chaco” por Laura Del Rey.


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