[ Uma conversa entre a colaboradora convidada Nylcéa Pedra e a escritora colombiana Margarita García Robayo. Esta entrevista foi realizada para a Puñado 7, em 2021 ].

NYLCÉA: O conto “La memoria donde ardía”, de Socorro Venegas, começa com uma pergunta: “Somos feitos mais daquilo que esquecemos ou daquilo de que nos lembramos?”. Considerando essa pergunta, como você enxerga a relação entre memória e ficção nas suas obras?

Para mim, o procedimento de reconstrução da memória é similar ao da escrita de ficção. Você seleciona algumas cenas e descarta outras a fim de construir uma história que te deixe confortável, uma versão – ou um argumento – que te pareça coerente com suas preocupações e visão de mundo.

NYLCÉA: Nos últimos anos, surgiram alguns projetos de recuperação de escritoras do século 20. Ao falar sobre a participação dela no projeto Vindictas, [a escritora e jornalista equatoriana] María Fernanda Ampuero afirmou que é urgente realizar um trabalho de exumação das autoras que precederam sua geração. Se estivesse nessa equipe de exumadoras, quais autoras você gostaria de trazer à luz?

Alguns anos atrás eu teria dito Marvel Moreno, mas hoje boa parte de sua produção já foi reeditada e está circulando. Sinto que essas coisas acontecem para além de nossas vontades. Não acredito nos esquecimentos, talvez em postergações. A boa literatura é tão poderosa que, por mais que esteja guardada em uma gaveta, quando ela encontra uma fresta, arrasa com tudo feito um tsunami.

NYLCÉA: Em 2019 foi publicado o seu livro Primera persona, com dez crônicas que marcam diferentes momentos da sua vida. Ao lê-las, chama a atenção a frequente aparição da maternidade, plasmada na experiência de se ter uma mãe e de ser uma mãe. É comovente a história da loucura da mãe que só consegue ser verbalizada por um estranho, e também a dor do “politicamente correto” na experiência de lactância. Sem falar no desconcerto que este trecho de “Historia general de tu vida” causa: “Sua mãe disse que você não era sua filha. […] Você é adotada? Ela disse que não. Que te pariu, como a todos os outros, mas que você não era filha dela. Era o quê, então? […] Um tumor? Isso mesmo, disse. Virou-se e fez carinho em sua bochecha”. Como você transpõe essas experiências de ser filha e mãe para o literário? Em que medida o tema das maternidades dissidentes é importante para a sua literatura?

Sem dúvida esse é um dos temas que mais me chama. Possivelmente porque o que mais me interessa sobre o assunto é subverter as versões instaladas em mim mesma a respeito do que significa a maternidade e o parentesco. Me interessa, como conceito, essa linha contínua, mas invisível, que nos faz enxergar os outros – pais, filhos, irmãos – como extensões dos nossos corpos, ainda que algumas vezes tenhamos menos afinidades com os parentes do que com pessoas estranhas.

NYLCÉA: Sua obra mais recente é El sonido de las olas, publicada há alguns meses. Nela podemos ler seus três romances de iniciação. Em Hasta que pase un huracán, a imagem de uma jovem olhando o mar é a abertura e o encerramento da narrativa. Do mesmo modo, o texto traduzido para este número da Puñado é o que abre Primera persona e se chama “El mar”. Sei que você já respondeu para [a escritora e jornalista] Hinde Pomeraniec o que significa o mar para você. Para evitar repetir a pergunta, mas não abandonando o mar e evocando as palavras da sua protagonista, podemos dizer que a literatura, “como a água, se não se move, estanca; e se estanca, apodrece”?

É, acho que sim. E acredito, além disso, que tanto o mar como a literatura são territórios – ou dimensões, ou universos – que, com mais ou menos contradições, pressupõem para mim uma ideia muito clara de pertencimento.


NYLCÉA PEDRA é professora de língua espanhola. Gosta de literatura e tradução. Nas horas não tão vagas, traduz autoras latino-americanas para o português. É mãe do Miguel, madrasta do Bruno e mulher do Rafael. // As biografias de Margarita García Robalo e das demais autoras da Puñado podem ser lidas aqui. // Tradução do espanhol por Laura Del Rey.


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