_Cristina
Rivera
Garza

    [Ensaio biográfico escrito por Ellen Maria Vasconcellos para a Puñado 7]

    Cristina Rivera Garza nasceu em Matamoros, cidade de Tamaulipas (norte do México), na fronteira com Brownsville (Estados Unidos), em 1964. O que separa os dois lugares, além de um forte esquema de segurança, é o rio Bravo.

    Rivera graduou-se em Sociologia na UNAM e é mestra e doutora em História Latino-Americana pela Universidade de Houston. As pesquisas de Cristina relacionam História e Antropologia, Medicina e Sociologia. Alguns de seus principais estudos sobre a história social das doenças mentais e da psiquiatria no México figuram em revistas como Hispanic American Review e Journal of the History of Medicine and Allied Sciences, entre outras.

    A autora viveu durante 20 anos em outra cidade de fronteira: San Diego, na divisa estadunidense com Tijuana, onde foi professora associada na Universidade Estatal de San Diego lecionando História Mexicana. Essas experiências fronteiriças fazem com que o trabalho de linguagem nos textos da autora (sejam de ficção ou não ficção) oscile não apenas entre dois idiomas, mas também entre variantes sociais e linguísticas muito distintas. A relação com as palavras em sua obra é dinâmica, ativa, viva, e, ao mesmo tempo, precisa, consciente.

    Posteriormente, Rivera Garza atuou enquanto professora do Departamento de Comunicação e Humanidades do Instituto Tecnológico de Monterrey, em Toluca; regressando aos Estados Unidos depois de cinco anos. Foi fundadora, diretora e, atualmente, é professora do curso de Escrita Criativa na Universidade de Houston.

    Além de coleções de poemas, compilados quase todos nos livros Los textos del yo (Fondo de Cultura Económica, 2005), Viriditas (Mantis/ UANL, 2011) e La fractura exacta (Libros del Cardo, 2019), suas produções literárias resultam sempre de rigorosa investigação histórica e social. Torna-se difícil classificar seus contos e romances, pois encontramos neles elementos de diferentes gêneros operando juntos.

    Sua primeira obra publicada foi o livro de contos La guerra no importa (Mortiz, 1991), seguido pelo romance Desconocer (finalista do prêmio Juan Rulfo). Porém, a primeira internacionalmente reconhecida é Nadie me verá llorar (Tusquets, 1999) – vencedora de diversos prêmios e amplamente traduzida –, um exemplo representativo de sua ficção, ancorada nos estudos de arquivos clínicos que a autora realizou em manicômios durante a pesquisa de doutorado (que culminaram na publicação La castañeda: narrativas dolentes desde el manicomio general, México 1910-1930).

    Na sequência, Rivera Garza publicou diversos romances e coletâneas de narrativas breves, como: La cresta de Ilión e Ningún reloj cuenta esto (ambos pela Tusquets, em 2002); Lo anterior (Tusquets, 2004); La muerte me da (Tusquets, 2007) – que traz elementos de narrativas policiais, trata de feminicídio e da figura de Alejandra Pizarnik; La frontera más distante (Tusquets, 2008); Verde Shangai (Tusquets, 2011); El mal de la taiga (Tusquets, 2012), que apresenta elementos fabulares e detetivescos; Allí te comerán las turicatas (La Caja de Cerillos Ediciones/DGP, 2013); e o experimental poemário La imaginación pública (Dirección General de Publicaciones del Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 2015).

    Nessas obras, a apresentação de objetos cotidianos toma formas e destinos inesperados – em um intento de estranhamento ou desfamiliarização, mas sem perder o fio da realidade; afastando-se apenas o suficiente para que o leitor seja incitado a questionar perspectivas e visões de mundo.

    Em Autobiografía del algodón (Random House, 2020), a autora trabalha com um encontro entre a ficção e a autobiografia – que, no entanto, é parte da história de muitas pessoas, muitas gerações, e até mesmo de um lugar inteiro (que são os campos de produção de algodão); trazendo outras vozes, outros livros, e documentos que compõem um tecido. Como ela mesma diz em entrevistas, a escrita é também uma prática social, uma pluralidade.

    Em sua produção ensaística, destacam-se El disco de Newton: diez ensayos sobre el color (UNAM, Bonobos, 2011), Dolerse: textos desde um país herido (Sur+, 2011) e a obra-prima Los muertos indóciles: necroescritura y desapropiación (Tusquets, 2013), na qual reflete sobre os possíveis usos de arquivos para combater e questionar práticas de violência. Essas obras fundem ficção e teoria, apresentando para o leitor um pouco mais do trajeto filosófico, estético e histórico trilhado pela autora.

    Em suas investigações, o pensamento de Rivera Garza aproxima-se dos de Gilles Delleuze e Achille Mbembe, mas a partir de uma perspectiva crítica histórica e social latino-americana. Nisto reside sua melhor forma de resistência: trazer à tona histórias de quem normalmente não teria voz nas políticas de Estado, questionando as estruturas de poder e conhecimento dominantes.

    Em 2016, foi a vez de Había mucha neblina o humo o no sé qué (Random House), uma homenagem explícita à biografia, à figura literária e à obra de Juan Rulfo. Novamente, um livro cujo gênero é difícil de definir, já que mescla ficção com relatos, documentos e fotografias. É uma incerteza textual, assim como a neblina; a fumaça indefinível do título.

    Em 2021, a escritora publicou El invencible verano de Liliana (Random House), uma obra composta por cartas, partes de diários e arquivos, organizados sob sua perspectiva do assassinato de sua irmã – Liliana Rivera Garza –, vítima de feminicídio.

    Quanto aos prêmios, desde a bolsa Salvador Novo em 1984, Cristina foi vencedora de muitos. Entre eles, dois prêmios Sor Juana Inés de la Cruz (2001 e 2009); o Anna Seghers, em 2005; e o Roger Caillois, em 2013, de literatura latino-americana. No final de 2020, recebeu ainda o MacArthur, em reconhecimento por sua obra artística e científica.

    Além da produção livresca, a mexicana publicou semanalmente na coluna La mano oblicua (jornal Milenio) por diversos anos; e, apesar de não estar atualizado desde 2020, também em seu blog No hay tal lugar (cristinariveragarza.blogspot.com). Outros textos breves figuram em diversas antologias, jornais e revistas nacionais e internacionais.

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