_Ivelisse
Rodriguez

    Ao invés de publicar uma biografia formal da autora, aproveitamos que ela própria havia escrito este relato sobre sua trajetória (“Living your best life?” / “Vivendo a sua melhor vida?”) e pedimos autorização à Columbia College Today para reproduzir alguns trechos do texto. Tradução do inglês por Raquel Dommarco Pedrão.

    Levo o cartão de crédito da minha mãe no bolso da frente da infame mochila de rodinhas que uso quando dou aulas como adjunta, para o caso de eu não ter dinheiro para pagar por minha própria gasolina. Eu costumava me gabar do meu histórico de crédito, como se fosse um diamante. Agora, tenho uma abordagem mais existencial em relação a essa questão. O que é um histórico de crédito? É mais uma construção social? Não é assim que um adulto, muito menos uma doutora formada na Universidade de Columbia, deveria viver.

    Enquanto a minha Oprah interior me motiva a viver a minha melhor vida, sou uma pessoa comprometida com a realidade. Adoro os ditados “pule, que uma rede de segurança aparecerá” e “o destino favorece os valentes”. Mas o meu lado não-Oprah diz “ah, nem sempre”. Você pode facilmente cair no vazio.

    Aos 39 anos, questionei para onde “fazer a coisa certa” tinha me levado. O que aconteceria se eu saísse um pouco da linha? Eu já tinha sacrificado o bastante.

    Quanto eu tinha 13 anos, fui para um internato e, imediatamente, já quis sair, porque, pela primeira vez na vida, me senti como “minoria”. Digo isso tendo crescido a meros 45 minutos dali, em Holyoke, Massachusetts – e Holyoke é uma cidade porto-riquenha. Como assim, porto-riquenha? Essa cidadezinha, encrustada no oeste de Massachusetts, tem a maior concentração de porto-riquenhos fora de Porto Rico. É tão porto-riquenha assim. Mas só quando eu espiava os meus colegas de sala com cartões American Express é que me dava conta de quão pobre eu era. Perdi a confiança no meu intelecto, porque alguns desses colegas tinham frequentado escolas particulares durante toda a vida, e era perceptível. Para conseguir me fazer cursar o segundo ano, minha mãe e o namorado dela tiveram que me subornar com um casaco de couro. De alguma forma, funcionou.

    No fim das contas, seguir foi a melhor decisão que tomei, porque me preparou para ir para a Columbia, minha primeira escolha entre as universidades.

    Durante o último semestre da faculdade, um amigo cometeu suicídio, o que levou a muitas noites de choro coletivo e à certeza de que uma dor assim não vai embora nunca. Mas mesmo naquele momento, fingi que estava bem, para seguir adiante. Eu tinha ido a reuniões com professores feito um zumbi, mudado de turmas para passar/reprovar nos exames, e fiz trabalhos de inglês nota C, só para me formar a tempo, porque eu já ia começar o mestrado em Artes no outono. Alguns anos depois disso, voltei à universidade para o doutorado, terminei meu trabalho em um ano e meio, fiquei miserável estudando mais seis meses para os exames preliminares e acabei terminando a coisa toda em quatro anos. Imediatamente, comecei o pré/pós-doc – o que me levou à minha primeira bolsa como docente, o sonho de todo acadêmico. Depois, me ofereceram uma segunda bolsa como docente em Nova Iorque, e tudo no mundo estava bem.

    Até que não estava mais.

    Eu estava assombrada por um senso de fracasso. Tinha me preparado adequadamente para a minha vida “prática” – ser uma acadêmica. Mas após alguns semestres, durante os quais me dava por satisfeita quando conseguia fazer xixi entre as aulas, li aproximadamente 400 ensaios e trabalhava seis dias por semana, passava significativamente menos tempo na vida não-prática que eu gostaria de ter – ser escritora. E, bem, dá para deduzir o quanto essa carreira é minguada. Tendo crescido na classe operária, eu valorizava a segurança, valorizava ter os pés firmes no chão. Mas em agosto de 2015, pedi demissão do meu emprego porque queria escrever um romance.

    Dei um salto no escuro. E o destino me favoreceu – consegui ótimos trabalhos de meio período, meu romance começou a tomar forma; eu praticamente acordava cantando. Era a personificação daquele emoji rindo de olhos fechados.

    Acelero para 2018, segurando o cartão de crédito da minha mãe por segurança. Mas nos anos que virão, vou contar essa parte da história como piada porque, realmente, esse não foi o aspecto que definiu meu ano. Eu conquistei a minha maior ambição – publiquei meu livro. Não o romance, mas uma coletânea de contos da qual havia desistido. E não só ela foi publicada, mas reconhecida como um dos livros mais importantes do ano pela Cosmopolitan, The Root, Electric Literature, The Rumpus e diversas outras publicações. Viajei com o meu livro, assinei exemplares com uma caneta dourada e floreios, conheci “fãs” e recebi convites para leituras, palestras e entrevistas. Em outras palavras, eu era a “bela do baile” dos livros, e foi maravilhooooooooosooooso. Era mais do que eu tinha ousado sussurrar para mim mesma, tarde da noite, antes de dormir.

    Então, minha história sobre viver a sua melhor vida não é a de que os obstáculos irão sair do caminho, ou de que viver a sua melhor vida é uma ideia vendida por charlatões. Não é binário. Está mais para um emaranhado, uma existência desequilibrada, de momentos para retroceder e ser humilde ao lado de momentos extraordinários que iluminam a vida no presente e que nos impelem em direção a futuros fantásticos.

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