{ A COLABORADORA }
Cristina Müller é uma cineasta brasileira-suíça, que trabalha principalmente como diretora e montadora de documentários e vídeos musicais. Seus últimos projetos incluem o curta metragem documentário “Alma de Orquestra” para o Canal Futura (Brasil, 2015), o curta-metragem “La Neige” (Neve), realizado durante o laboratório Kinomada na cidade de Saguenay (Canadá, 2016) e a pré-montagem do longa documentário “Favela Olímpica”, dirigido por Samuel Chalard (Suíça, 2017). Atualmente, Cristina realiza um mestrado em documentário e mídias em Nova Iorque na universidade The New School.
Estudando e vivenciando documentário fora do Brasil, uma das principais experiências que tenho é a de estar em um ambiente que não me é comum, por conta das diferenças culturais, linguísticas, de organização urbana, política e social. Além disso, criar e filmar em lugares completamente diferentes me faz repensar os espaços de onde venho e como viver a experiência dos espaços em que estou.
O deslocamento que sentimos como estrangeiros é claro e acontece desde o primeiro instante. Mas a percepção de como os espaços por onde andamos nos inspiram e moldam nossas ações e criações é algo que se entende concretamente apenas após alguns meses filmando/ documentando neste novo espaço.
Assim são os lugares em que vivemos e circulamos: cheios de símbolos, sons, cheiros, ritmos, cores, histórias e aspectos de que nem nos damos conta. A cineasta canadense Brett Story, em seu filme A Prisão em Doze Paisagens (The Prison in Twelve Landscapes) revela a força, o mistério e as contradições contidas nos ambientes pelos quais circulamos, ao escolher o tema da prisão e apresentá-lo a partir de doze paisagens.
O filme tem como tema central o sistema carcerário dos Estados Unidos, mas não mostra nem fala diretamente do assunto em nenhum momento. Não há nenhuma imagem de prisões ou entrevistas com prisioneiros dentro de uma. O filme todo se constrói a partir de doze ambientes/ situações em que o contexto carcerário existe indiretamente. E é por isso que o impacto sobre o assunto chega ainda mais forte; pois percebe-se o quanto esta questão faz parte do dia a dia da vida norte-americana mesmo quando não se está em uma prisão.
Interessada pelo assunto e pelo fato de as prisões estarem cada vez mais distantes e de difícil acesso, Brett Story, que possui um doutorado em Geografia (Universidade de Toronto) e atualmente realiza seu pós doutorado no Centro para Espaço, Cultura e Política (Center for Place, Culture and Politics) da Universidade da Cidade de Nova Iorque, analisa como esta distância afeta os espaços urbanos e rurais direta e indiretamente. Segundo ela, as prisões são lugares de “desaparecimento”, além de também transformarem outros ambientes (pela infraestrutura, burocracia e influência econômica e política que exercem fora delas).
Brett percebeu, ao longo de sua pesquisa, que seria possível falar sobre prisão sem necessariamente mostrar uma. E, nesta busca, encontrou inúmeros locais e situações que revelam aspectos do sistema carcerário e da sociedade norte-americana: uma loja no Bronx (Nova Iorque) onde um homem montou uma empresa para envio de diversos produtos a prisioneiros, que são especialmente preparados e empacotados segundo as regras da prisão; uma pequena cidade do estado de Kentucky, antes repleta de trabalho por conta das minas de carvão, e que hoje depende totalmente das prisões ao seu redor para garantir emprego aos seus habitantes; uma prisioneira que explica o trabalho que ela e outras detentas realizam (apagar focos de incêndio na região de Marin County, Califórnia) e a impossibilidade de se conseguir um trabalho como este ao sair da prisão, por conta do seu passado encarcerada.
É, portanto, um filme construído a partir de pequenas histórias que Brett chama de “vignettes” – ou seja, episódios, esboços. Estes não se conectam diretamente entre si. A conexão está no tema mais amplo do espaço da prisão nos Estados Unidos – um tema que ela mantém aberto a contradições e ambiguidades.
Pessoalmente, gosto da experiência cinemática e artística em que não temos necessariamente um grande arco dramático, mas vários pequenos arcos e histórias que nos revelam algo maior, nos deixando questões. De certa maneira, as nossas vidas são vividas desta forma: uma soma de esboços que tentamos organizar e lidar com eles ao mesmo tempo. Um se liga ao outro por associações que nem sempre esperamos ou que raramente são racionais.
Além disso, através da direção e da maneira como a câmera se comporta nos espaços e situações, o filme permite ao espectador tirar suas próprias conclusões a partir da sua experiência com o filme e da sua própria experiência com o tema. As imagens permitem que o espaço e o tempo das cenas revelem suas características, sem que a todo momento tenhamos inúmeras informações. Muitas vezes há um tempo “morto”, ou cenas “banais”, que duram um pouco mais. Brett Story diz acreditar que, desta forma, pode-se realizar um documentário político e falar de temas essenciais à sociedade sem dizer ao espectador exatamente o que ele deve pensar e sentir. Muitas vezes os documentários pecam, ao meu ver, quando apresentam questões e direcionam respostas ou conclusões sem permitir a experiência de fato. A Prisão em Doze Paisagens tem, no entanto, o grande trunfo de permitir esta experiência. O filme revela sem mostrar totalmente; discute dentro da complexidade do tema através dos diferentes espaços e personagens, criando um debate muito mais diverso.

Brett Story, diretora de A Prisão em Doze Paisagens
Da mesma forma que cada paisagem no filme de Story nos traz uma visão sobre a prisão em detalhes do dia a dia, nas coisas mais simples e nos espaços mais comuns por onde circulamos estão milhares de histórias e exemplos daquilo que nem sempre vemos, mas que definem tantos aspectos da nossa sociedade.
Segundo a diretora, há uma maneira de realizar documentários que replica de certa forma a experiência de se estar no mundo, a partir da qual nos movimentamos por espaços e estamos constantemente colhendo sinais e pistas para criar a nossa narrativa sobre como o mundo é. E, enquanto nos movimentamos, estamos também modificando o ambiente ao nosso redor.
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Site do filme.
Canal de Brett Story no Vimeo