Considero-me de uma geração privilegiada. Vi os computadores partirem dos caracteres verdes, disquetes* e da austera tela preta com um prompt e comando para, em seguida, entrarmos na internet.

Sim, entrávamos na internet. Quase um ato solene, o de sentar-se diante de uma máquina, para então acessar por uma portinhola de pixels aquele mundo todo novo, todo ali. E foi nessa internet que encontrei um vídeo delicioso, fascinante – e, por todos os prismas, idiota: “the world most useless machine”.

Veja.

Viu? Pois então.

Algo a dizer de uma máquina desenhada e construída unicamente para fazer isso? Ela tem parafusos, circuitos, cabos, baterias e peças móveis. Gastaram horas para conceber, construir e por para funcionar algo inapelavelmente inútil. Ri da ideia, me diverti com suas variantes – e há várias –, mas depois, como em todo porre, seguiu-se a ressaca e caí num daqueles pensamentos graves de fim de domingo. Se você está lendo essas linhas, pode ser que o pensamento tenha até vencido o meu bom senso, e virado texto. Virou, pelo jeito.

Não muito tempo atrás aprendi uma expressão nova: embotamento da mente.

O dicionário nos diz ser “o ato de tornar algo menos cortante, fazer perder sensibilidade”, o gosto, a energia. A tal máquina embota nossa mente. Embota, capota, derrota, esgota. Distrai e arranca risos, e me pôs a pensar sobre o nosso mundo, os smartphones e a internet.

Hoje leio um décimo dos livros que lia antes. Manter-me concentrado por horas em uma coisa só tornou-se um suplício. E isso porque, com os telefones inteligentes, estamos abertos em 30 janelas ao mesmo tempo, e o livro tem uma só. Não parei de ler. Leio o dia todo, talvez até mais do que leria em páginas impressas, mas simplesmente não consigo, e não conseguimos mais, estar em apenas um canto. Viramos um travesseiro de penas rasgado no topo de um arranha céu. Por todos os lugares e em lugar nenhum.

Se antes entrávamos na internet, hoje não se entra em mais nada. Hoje dormimos e acordamos dentro dela. Estamos imersos e, se a web fosse líquida, nosso ronco faria bolhas lindas. Precisaríamos de um snorkel.

O livro, por sua vez, é um chato de galocha. Tornou-se aquele tio de fala monótona, assunto repetido, e a quem ninguém mais escuta no almoço de domingo.

E o computador, e seu sobrinho mais novo, o smartphone, a quem devemos tanta coisa – e, ao final, prestam-se a resolver com galhardia os problemas criados por eles mesmos –, parecem ter planos para nós.

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Eu e você, com nossos hábitos esquisitos de sentar em volta de uma mesa e tomar café, ou num boteco para beber e celebrar qualquer coisa, somos obsoletos, estamos caminhando na prancha. Afinal, como justificar estes encontros inúteis, se em nossas casas temos café, internet e, em breve, the world’s most useless machine, por que não?

*Experimente explicar ao estagiário millenial, que faz coach, sobre a existência do disquete. Um dispositivo com a capacidade de transportar 1/3 de selfie.

 


{ O AUTOR }

Rodrigo Lamonato é brasileiro, inquieto, residente e domiciliado em São Paulo, e com a cabeça na Lua. Gosta de escrever, é advogado, já foi líder de banda de rock, fundador de startup, e é piloto de corridas frustrado desde 1983. Tudo ao mesmo tempo agora.


 

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